A Importância da Educação Parental nas Escolas Públicas do Brasil após a Lei da Parentalidade Positiva de 2024: Um Compromisso com os Direitos das Crianças
- Juliana Nogueira
- 4 de dez. de 2024
- 5 min de leitura
A promulgação da Lei da Parentalidade Positiva, Lei 14.826/2024, representou um marco importante para as políticas públicas de proteção e promoção dos direitos das crianças no Brasil. A partir dela, o Estado brasileiro passou a reconhecer formalmente que o relacionamento entre adultos e crianças deve estar fundamentado no respeito, no acolhimento e na não violência.

Em um país marcado por desigualdades sociais e educacionais profundas, e enorme diversidade cultural, onde a violência permeia todas as classes sociais, a disseminação dos conceitos de parentalidade positiva promete ser um recurso barato e eficaz para a prevenção da violência estrutural e o aumento da adesão de crianças às escolas. A médio prazo, ela pode promover avanços importantes em termos de aumento da frequência escolar, empregabilidade, saúde mental da população e desenvolvimento social.
A educação parental pode ser compreendida como um conjunto de ações e orientações voltadas aos responsáveis legais — pais, mães, avós, tutores — com o objetivo de desenvolver competências parentais baseadas em respeito mútuo, empatia, comunicação não violenta e educação positiva. Com base nesses princípios, a Lei da Parentalidade Positiva estabelece diretrizes para que pessoas e instituições públicas e privadas ofereçam espaços de diálogo, formação e apoio às famílias, promovendo uma cultura de paz e cuidado mútuo.
A incorporação da educação parental no ambiente escolar, especialmente nas escolas públicas, surge como uma estratégia essencial para fortalecer os vínculos familiares, prevenir a violência doméstica, reduzir índices de evasão escolar e garantir o pleno desenvolvimento infantil. Essa abordagem já é realidade em alguns países do mundo e, no Brasil, contribui para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Marco Legal da Primeira Infância e de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU e a Agenda 2030. É importante ressaltar que, a educação parental tem a capacidade de alavancar de forma direta seis objetivos do desenvolvimento sustentável ao mesmo tempo.
A Escola como Espaço de Formação Integral
Tradicionalmente, a escola é vista como um espaço voltado exclusivamente à aprendizagem de conteúdos curriculares. No entanto, com o avanço das políticas públicas voltadas à infância, reconhece-se cada vez mais a importância de se trabalhar o papel incontestável da escola para a promoção dos direitos e do desenvolvimento integral das crianças. Para isso, evidências científicas do campo do desenvolvimento social reconhecem que a integração entre escola, família e a comunidade é um ponto chave para o combate às desigualdades sociais e educacionais e para a promoção do desenvolvimento social.
Devido à condição histórica e cultural do Brasil, todas as classes sociais carecem de atualização sobre violências invisíveis contra crianças e sobre a ciência do desenvolvimento infantil. Mas é a escola pública, um dos principais braços do Estado nas periferias urbanas e zonas rurais, o ambiente mais adequado para alcançar famílias em situação de vulnerabilidade social e emocional. Além disso, a presença de programas de educação parental em escolas aprimora a rede de proteção precoce, pois reforça o papel da escola como espaço de vigilância cidadã e cuidado coletivo.
A escola pública pode exercer também um papel de mediadora entre a família e os direitos da criança, promovendo ciclos de palestras, oficinas de escuta ativa, rodas de conversa e outras atividades que ajudem os cuidadores a refletirem sobre suas práticas educativas. Essa ação tem impacto direto na qualidade das relações familiares e no desempenho escolar dos estudantes, criando um ambiente mais acolhedor, seguro e propício ao aprendizado.
Educação parental em escolas: prevenção de violência e promoção dos direitos da criança
Um dos pontos centrais da Lei da Parentalidade Positiva é o enfrentamento à violência doméstica e intrafamiliar, ainda tão presente em lares brasileiros. Muitas formas de violência — física, verbal, sexual ou psicológica — e negligência são, infelizmente, naturalizadas em diversas famílias, por falta de informação, apoio emocional ou modelos positivos de convivência. A educação parental vem como uma ferramenta de prevenção e transformação dessas realidades, mostrando aos cuidadores que existem formas mais eficazes e respeitosas de educar.
Ao oferecer informação e apoio, a escola contribui para quebrar ciclos de violência intergeracional, empoderando pais e mães a exercerem a autoridade de forma saudável, sem recorrer à punição física ou humilhação. Essa abordagem está em sintonia com o ECA e com o Marco Legal da Primeira Infância, que estabelecem o direito de todas as crianças a serem educadas com dignidade e respeito, e com a própria Constituição Federal, que reconhece a criança como sujeito de direitos.
Engajamento Escola-Família
Outro benefício relevante da implantação da educação parental nas escolas públicas é o fortalecimento do vínculo entre a instituição de ensino e as famílias. Historicamente, muitas famílias se sentem distantes ou excluídas do processo educativo de seus filhos, seja por traumas escolares, baixa escolaridade ou falta de tempo. A parentalidade positiva propõe uma abordagem acolhedora e sem julgamentos, incentivando a participação ativa dos cuidadores no cotidiano escolar.
A valorização dos saberes populares, da escuta atenta e do respeito às diversidades culturais é fundamental para construir uma relação de confiança entre escola e família. Quando os pais se sentem incluídos e compreendidos, há maior engajamento na vida escolar dos filhos, maior frequência nas reuniões pedagógicas e maior disposição para dialogar com os educadores. Esse tipo de envolvimento é essencial para a formação cidadã e emocional das crianças, além de reduzir significativamente os índices de indisciplina e abandono escolar.
Impactos a Longo Prazo: Cidadania, Equidade e Desenvolvimento Humano
Investir em educação parental nas escolas públicas é, sobretudo, investir em cidadania e equidade social. Crianças que crescem em ambientes familiares seguros, com vínculos afetivos fortalecidos e disciplina respeitosa, desenvolvem maiores competências socioemocionais, como empatia, resiliência, cooperação e responsabilidade. Essas habilidades são decisivas para o convívio em sociedade, para o desempenho acadêmico e para a inserção futura no mundo do trabalho.
Além disso, ao promover a parentalidade positiva como política pública nas escolas, o Estado contribui para romper padrões históricos de desigualdade, oferecendo às famílias mais pobres as mesmas ferramentas e oportunidades que as famílias de classes mais favorecidas já possuem, muitas vezes por meio de recursos privados. Trata-se, portanto, de uma política pública estratégica para o desenvolvimento humano e a construção de um país mais justo e inclusivo.
Desafios e Caminhos a Percorrer
Apesar dos avanços representados pela Lei da Parentalidade Positiva, sua implementação nas escolas públicas brasileiras ainda enfrenta desafios significativos. A falta de formação adequada para os profissionais da educação, a sobrecarga das equipes pedagógicas, a resistência cultural a novas práticas parentais e a escassez de recursos financeiros são obstáculos reais que precisam ser enfrentados com planejamento e compromisso intersetorial.
É fundamental que estados e municípios construam planos de ação articulados, com envolvimento das secretarias de educação, saúde, assistência social e justiça, garantindo a efetividade da lei e o alcance de seus objetivos. Além disso, é importante incluir organizações da sociedade civil, conselhos tutelares, universidades e associações de pais nesse processo, fomentando a criação de redes locais de apoio e cuidado.
Conclusão
A educação parental nas escolas públicas, impulsionada pela Lei da Parentalidade Positiva de 2024, representa uma poderosa ferramenta de transformação social. Ao capacitar as famílias para exercerem seus papéis com mais consciência, afeto e responsabilidade, a escola amplia seu papel como defensora dos direitos das crianças e promotora de uma sociedade mais solidária, democrática e humana.
Em um país como o Brasil, onde milhões de crianças ainda enfrentam múltiplas formas de exclusão e violência, investir na relação entre escola e família é não apenas desejável, mas urgente e necessário. O futuro do país passa pela qualidade das relações que cultivamos desde a infância — e a parentalidade positiva, integrada ao cotidiano escolar, é um caminho seguro para garantir um amanhã mais justo para todas as crianças brasileiras.
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